Essa é uma história que eu fiz em 2007 e até hoje está sem revisão, rs . É basicamente uma declaração de amor ao que o carnaval representa: a beleza e a vida.
No meio da profusão de cores, formas e máscaras, fugas dos dias normais, eu senti uma presença...quase que uma aura envolvendo aquela pessoa, que no meio de tantas outras iguais chamava tamanha atençao. Pelo menos a minha.
Se existe algo que sempre me deixou eufórica essa coisa é o tão famoso Carnaval de Veneza. Todo ano logo no início de fevereiro eu deixava minha casa na Baviera, terra dos meus falecidos pais e partia para a Cidade das Águas, para passar pelo menos dois meses lá e por mais que fizesse isso há anos, continuava deslumbrada como uma criança cada vez que ia. Porém, dessa vez, alguma coisa travou meus sentidos e me fez perder a respiração por alguns segundos, quase imperceptíveis.
Minha pele começou a suar por baixo dos panos e da máscara pesada, continuei olhando para a figura de um Pierrô, o mais perfeito que já vira, todo em dourado, vinho e preto, com a lágrima escorrendo na máscara espectral, mas que estranhamente me passava uma imagem de riso, cínico e fácil por baixo dela.
Fiquei me perguntando se a figura seria feminina ou masculina, conhecida ou não, e perdida nos devaneios fui arrastada pela multidão até muito perto do fim da calçada. Me segurei na ponta de uma gôndola presa, provavelmente esperando alguma pessoa que desejasse sair do calor vertiginoso da folia. Foi então que uma mão enluvada segurou a minha e estabilizou meu corpo.
Ouvi por baixo da máscara uma voz grossa e aveludada que perguntava o que fazia uma Colombina perdida, "Talvez procurando o ousado Arlequim"? Ele disse em um tom que inspirava uma procura, mas não parecia realmente interessado em representar os famosos papéis de brigas entre o triângulo amoroso. Apenas deu uma risada sonora e fez uma reverência, o chapéu negro com penas coloridas quase tocando o chão e deixando-me ver o cabelo ondulado e castanho que caia pelos cantos da falsa pele, branca como gesso.
Ao se levantar o homem maior que eu própria pegou meu ante-braço e disse em tom divertido que me convidava a um brinde, um brinde por ter salvo minha vida. Essa foi a proposta para beber mais estranha e absurda que já ouvi, mas fui com ele, abrindo caminho no meio da multidão agitada.
Andamos por várias ruas apinhadas para chegarmos em um beco enfeitado que por dentro deixava ver apenas a rua lotada, mas tinha certeza que em um dia comum teríamos a visão perfeita das ruas inundadas. Estava totalmente dispersa quando senti a presença dele sentando-se ao meu lado com uma enorme garrafa de vinho tinto e só então pude ver seu rosto, extremamente branco, quase como sua máscara, os olhos verdes faíscantes e o nariz grande, que encaixava perfeitamente em seu rosto, um verdadeiro italiano, poderia-se dizer. Ele sorriu enviesado e me serviu uma caneca cheia.
O local tornava-se mais escuro com o passar do tempo e conforme bebia começava a não ver mais as pessoas, apenas os olhos do Pierrô que perguntou meu nome, respondi com a verdade dos que não têm mais pudor após tanta bebida: Johanna. Ele passou a mão pelo meu cabelo, tirando um pedaço de serpentina que estava preso e disse que se chamava Alessandro. Realmente um verdadeiro italiano.
Só após esse pequeno diálogo percebi que a garrafa ainda estava cheia e senti um frio na espinha...o que eram então aquelas sensações? Fui pergunta-lo se havia pedido outra garrafa e percebi que todo meu sotaque escondido após anos voltou a aparecer. Ele sorriu de novo e disse que era "Sangue, minha cara germana". A princípio achei que estava brincando, mas só quando ele encheu a boca com o líquido e chegou perto de mim, beijando minha boca e fazendo um filete da bebida escorrer pelo canto dela e cair por minha roupa branca e prateada que percebi seu tom avermelhado demais para simples vinho. Nem me importei de ter sido um homem desconhedico a me beijar com tanto fervor, mas sim pela agonia de saber que aquilo que vertia de nossas bocas era sangue e segundo ele, seu próprio.
Me puxando para mais perto e roçando o nariz pela minha face, ele sussurrou que se eu quisesse poderia correr enquanto havia tempo. Suando e com o coração aos pulos fiquei no mesmo lugar, os olhos apertados e respirando fundo. Pedi com a voz grogue, fraca pela situação que ele explicasse o que estava acontecendo. Ele mordeu a linha do meu queixo e disse que era um Ser da Noite..mas um diferente, um que podia vagar pelo dia e não estava ali pelo sangue ou nada do tipo.
No começo achei realmente que estava ficando louca ou que havia bebido todo o conteúdo da caneca, mas olhando novamente para ele percebi que era a mais pura verdade. E passando as mãos repetidamente pelo rosto pedi que me explicasse de novo e com detalhes.
Sem que eu reparasse ele me puxou pelo pulso e me levou até a porta da, então vazia, taberna. Meu chapéu estava em sua mão e com ele apontou para a rua ululante com pessoas passando e gritando, disse que era aquilo...apenas aquilo que o deixava vivo, todo o delírio e êxtase, ele simplismente não conseguia ficar longe daquele lugar. Seus olhos de esmeralda brilhavam furiosamente e então eu vi que erámos iguais. Por mais que não quisesse ou achasse loucura, erámos extremamente iguais. E ao olhar novamente para ele, senti que eu realmente queria continuar ali, para sempre.
Segurei sua nuca e falei ainda com a voz rouca em seu ouvido, disse com toda minha alma que desejava ficar ali, com ele e minha tão amada Veneza e seu Carnivale. Fui fazendo uma trilha de saliva pelo lado direito de seu rosto, até alcançar os lábios e os mordi, fazendo o sangue tão doce quanto vinho jorrar dentro de minha boca.
Após um tempo que pareceu infinito, nos afastamos e ele disse que pela primeira vez iria dividir seu amor com alguém, sua caravana de felicidade e fulgor, toda sua vivacidade. Tudo o que fiz foi sorrir e olhar para a nova perspectiva que via...a vida comum deixada para trás e à frente uma chuva de cor, eterna e misteriosa, um baile de máscaras sem fim e totalmente inebriante. Eterno. Ele pôs sua máscara e chapéu e saímos pela rua movimentada.
Imagem: http://www.dphotojournal.com/photos-from-2006-venice-carnival/
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